• EN
  • Facebook
  • Instagram
  • Youtube
  • Linkedin
Você está em: Início > Pessoal > Luís Miguel Sequeira
Autenticação
ATENÇÃO: Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização.

Luís Miguel Sequeira

Fotografia de Luís Miguel Richheimer Marta de Sequeira
Nome: Luís Miguel Richheimer Marta de Sequeira  Ligação à página pessoal de Luís Miguel Sequeira 
Sigla: ESD_LRMS
Estado: Activo
ORCID 0000-0001-6077-4655
CIÊNCIAVITAE D01E-E6F5-E89B

Contactos

Sem informação a apresentar

Funções

Categoria: Assistente Convidado
Áreas Científicas: Áreas Científicas - Docentes

Currículo Resumido

Cabeça do avatar da Gwyneth Llewelyn a piscar um olho

Costumo dizer que sou um "cromo informático" mas já não tenho idade para esse título, por isso fico-me pelo "consultor em ICT" que soa mais a sério :)

Sou licenciado em Eng.ª Informática pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (1992) e defendi o Mestrado em Informática na UTAD (2009), instituição essa que ainda aguarda que eu um dia lhes entregue também o doutoramento para avaliação.

Comecei a minha vida profissional como bolseiro de investigação no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, numa deliciosa sala para estagiários que era das raras que, por um acidente de percurso, ainda tinha uma unidade de ar condicionado made in Portugal que funcionava! Os bolseiros eram a inveja do resto do então Centro de Informática. Eu estava mesmo ao lado das equipas que faziam a gestão do computadores centrais do LNEC — e também do nó principal da rede académica nacional (RCCN), gerida pela FCCN, que, para o efeito, estava sediada no campus do LNEC. Na verdade, tudo isso estava literalmente ao fundo do corredor!

Foi ainda quando estava a fazer o meu trabalho de fim de curso, no final de 1991, que tive o privilégio de "herdar" uma conta de e-mail, coisa que na altura só um punhado de privilegiados tinha em Portugal. Digo "herdar" porque um humilde estudante não tinha "direito" a ter uma conta personalizada; mas uma das minhas orientadoras teve pena de mim, e como ela tinha o "luxo" de ter mais do que uma conta, "deu-me" outra só para minha utilização pessoal. Durante meses tive de explicar porque é que a minha conta começava por bc e não pelas iniciais do meu nome, como era habitual na altura.

Esta conta tinha uma série de características engraçadas. Na realidade, não era uma caixa de correio "normal", tal como a pensamos hoje em dia, ou seja, abre-se o Gmail e cria-se lá um login e password, e pronto; aqueles mais dotados para a tecnologia conseguem ainda associar essa conta ao telemóvel. Mas em 1991 as coisas não eram assim tão sofisticadas, pelo menos para quem lá trabalhava. Parte dos computadores não estava sequer directamente ligado à Internet, mas sim usando uma rede privada, totalmente isolada, como era habitual na altura, sem qualquer ligação à Internet. O que fazíamos era conectar a partir do nosso PC através de um terminal remoto a um dos computadores centrais, que estavam, esses sim, ligados à Internet — mas também à rede interna. Isto passava-se tudo em modo de consola, claro; os PCs já corriam Windows, naturalmente, mas a maior parte das aplicações para a Internet ainda não existia. Por exemplo, nem sequer havia Web. Isso só apareceu por lá em 1993.

Até lá, pois, o que tínhamos era acesso a uma aplicação só em modo de texto, que podia ler e enviar email associado à conta do utilizador criada nesse servidor apenas. Ou seja, cada servidor tinha um conjunto de contas, que, entre diversas outras coisas, também podiam enviar e receber email. Existiam dois ou três aplicações (sempre em modo de texto!) que podíamos correr para lermos os emails, e, de resto, apesar do aspecto, o conceito não mudou absolutamente nada do que temos hoje em dia com o Outlook ou com o Gmail. Estávamos é apenas limitados a caracteres não acentuados e não existiam ainda emojis, só smileys :-)

Por ironia do destino, obtive esta conta no que era, na altura, o maior e mais poderoso supercomputador de cálculo científico em Portugal. Também já na altura eu sabia que existiam supercomputadores e para que serviam, claro, mas o que eu não sabia era que, em Portugal, existia um ali no LNEC! Na verdade, existiam dois — o segundo era uma "cópia" do primeiro, que funcionava redundantemente, instalado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, para evitar que uma avaria grave que afectasse todo o campus do LNEC impedisse os investigadores na área da supercomputação de trabalhar.

Ora isto tudo tinha começado justamente em 1990, em que se deu um acontecimento a nível mundial que na altura foi fundamental para a expansão da Internet: de 1969 a 1990, nos Estados Unidos, a gestão da Internet era essencialmente feita à custa do orçamento de estado americano, e estava na mão de um consórcio de universidades. Haviam já muitas das grandes empresas todas elas ligadas à Internet, claro, através de protocolos (pagos!) entre essas empresas e as universidades e os laboratórios de investigação científica. Em 1990 tudo isto foi liberalizado: o governo americano autorizou os privados a ligarem-se à Internet como quisessem, criando as suas próprias infra-estruturas, interligando-se entre si sem qualquer interferência do estado. Este continuava, no entanto, a gerir a rede académica federal. Mas como passou a responsabilidade de interligação das empresas para os operadores privados, viu-se com um superavit considerável nas despesas de exploração, e resolveram então adquirir supercomputadores, instalados nas principais universidades, e interligados entre si através da rede federal. Isto permitia que as universidades com poucos meios financeiros podiam assim ter acesso à supercomputação sem precisarem de mais do que uma (boa) ligação à Internet; e do ponto de vista do governo federal, isto significava investir num menor número de supercomputadores, mas que podiam assim ser significativamente mais poderosos.

Talvez de forma inesperada, nesse mesmo ano, Portugal, vendo este modelo, resolveu também replicá-lo. Toda a infraestrutura que já ligava as principais universidades tinha o seu nó principal no LNEC, pelo que o que se fez foi transferir a responsabilidade de gestão da rede para esta nova entidade, a FCCN, mas aproveitando as capacidades que já existiam (o mesmo se passou nos EUA, evidentemente). O papel da FCCN foi, pois, levar a rede académica primeiro a todas as universidades, e, posteriormente, a todas as escolas do país; mas foi igualmente dotada de meios para adquirir o tal supercomputador (e o seu irmão "gémeo" que lhe servia de backup).

Ora esperava-se que este supercomputador se pagasse a si próprio, ou seja, que os especialistas nacionais de supercomputação (haviam muitos) passassem a usar o "nosso" supercomputador, pagando um X pelo acesso. O valor era elevado, sim, mas várias ordens de grandeza inferiores do que adquirir o "próprio" supercomputador (o que também inclui os custos de um centro de dados especificamente desenhado para o albergar e uma equipa de administradores de sistema para manter o sistema a funcionar ao máximo de desempenho durante todo o tempo). Para incentivar este modelo, no entanto, a FCCN resolveu oferecer o acesso gratuitamente durante "um certo período de tempo". Como podem imaginar, isso atraiu um número gigantesco de utilizadores, que imediatamente passaram a usar muito activamente este novo supercomputador, e surgiram dezenas se não centenas de publicações académicas em múltiplas áreas — foi uma espécie de "revolução da supercomputação", fazendo mesmo com que muitas entidades do ensino superior se ligassem imediatamente à Internet só para tirar partido deste acesso.

As estatísticas ao final de um ano de operação eram brilhantes — tinha sido um sucesso revolucionário em todas as frentes — e esperava-se que o interesse continuasse, e até se alargasse a mais entidades e mais equipas de investigação. Mas algumas manifestaram-se preocupadas com o final da "época de acesso gratuito", e disseram que não podiam "arriscar" que, a meio de um projecto de investigação complexo, fossem subitamente cobradas aos preços anteriormente anunciados, para os quais não teriam orçamento. Isto, evidentemente, criou uma série de problemas complexos. Para já, claro, podia-se manter o acesso gratuito "por vários meses", mas, a partir de determinada altura, tinha-se de pensar em como rentabilizar o sistema. Até porque dado o sucesso astronómico do modelo, era já preciso adquirir um upgrade ao supercomputador, se no ano seguinte se esperasse um crescimento substancial no número de projectos... e não se vai propriamente à loja de informática de bairro e pedir "um upgrade de supercomputador, se faz favor"...

Tentou-se então um modelo de compromisso; baixaram-se substancialmente os preços (a ideia era que assim a amortização do investimento levaria muitos mais anos, mas talvez permitisse as universidades todas a pagarem os preços reduzidos). Para projectos novos, os primeiros meses de acesso eram gratuitos, depois havia um período em que eram pagos mas a um desconto muito grande, e gradualmente esse preço aumentava com o tempo de utilização e os recursos efectivamente consumidos.

Em paralelo a isso, no entanto, existiam alguns projectos "da casa", por assim dizer, e que podiam usar o supercomputador de forma sempre gratuita, mas sujeito a uma série de restrições. Isto permitia às entidades como o LNEC (que fornecia a infra-estrutura toda e a pagava do seu orçamento anual) ou a FCCN (que providenciava a mão de obra para a manutenção diária, tanto do supercomputador, como de toda a rede académica nacional) a "encaixarem" os seus próprios projectos no complexo agendamento do tempo do supercomputador, podendo continuar esses projectos de forma gratuita, desde que fossem realizados "fora de horas".

A história, infelizmente, não tem um final muito feliz. À medida que os preços novos iam sendo aplicados, as várias instituições desistiam dos seus projectos. Graças ao excelente acesso à Internet, muitas preferiam contratar serviços semelhantes, mas a preços mais competitivos, em supercomputadores substancialmente mais poderosos. Ou então usavam vulgares PCs, ligados entre si em rede, para "simular" precisamente o funcionamento de um supercomputador, mesmo que fosse muito mais lento — mas pelo menos a sua utilização seria gratuita (fora os custos adicionais em energia eléctrica, bem entendido, mas esses eram muito mais fáceis de suportar...). E mesmo as entidades que tinham capacidade financeira de pagar os preços cobrados pela FCCN, chegavam rapidamente à conclusão que podiam, por uma fracção do preço, adquirir os seus próprios "mini-supercomputadores", que não eram a mesma coisa, mas que eram já suficientemente rápidos para se aproximarem bastante da capacidade de cálculo vectorial do supercomputador.

Uns meses mais tarde, já praticamente apenas os projectos gratuitos se mantinham activos no supercomputador, e mais e mais entidades utiliavam soluções alternativas. Eu "apanhei o comboio" precisamente nessa altura, em que as direcções estavam muito preocupadas porque tinham um dilema insolúvel: era mais que claro que havia um enorme desejo de realizar projectos que precisavam de supercomputação, mas não havia nenhuma entidade que estivesse disposta a pagar por isso, mesmo que reconhecesse naturalmente que todas estas coisas têm um custo. Infelizmente não era um custo comportável com os montantes dos fundos que tinham à sua disposição...

A razão pela qual uma das minhas orientadoras me "cedeu" a conta dela foi justamente porque era uma das tais contas especiais de "acesso gratuito", mas o projecto que ela tinha feito já tinha terminado, e ela usava agora a outra conta que tinha, para ler email. Portanto lá "herdei" essa conta.

E lembro-me de contar isto aos meus colegas de turma, quase todos também com acesso à Internet nas instituições onde estavam a fazer o trabalho de fim de curso, e a gabar-me de que, ali, tinha a minha própria sala (as orientadoras por vezes lá iam, mas tinham entretanto os seus gabinetes pessoais), o meu supercomputador pessoal que mais quase ninguém usava, e tinha igualmente à minha disposição um PC a correr Windows, uma workstation Unix com monitor a preto e branco, e outra workstation Unix da IBM, mais recente, e já a cores. Nunca mais na vida tive um local de trabalho tão luxuoso e com tantos recursos à minha disposição!

Quando terminei o projecto de fim de curso (sim, claro que usei o supercomputador, já que estava disponível...), já partilhava a "sala dos estagiários" com um colega, e ambos dedicávamo-nos à exploração da Internet que existia na altura. E, nisto, lá para o final de 1992, inícios de 1993, começámos a ouvir falar da "World Wide-Web", que, até à data, pouco interesse tinha, pois só podia ser acedida em modo de texto. Mas um grupo de pessoas tinha resolvido fazer a primeira aplicação com um interface gráfico, que corria em Windows (e pouco depois em Linux e outros Unixes), e que até podia incluir imagens e tudo, não apenas texto!

Bom, e o resto é história. Pedimos autorização para fazer um site oficial do LNEC, pois, na altura, um pouco por todo o lado, estavam a aparecer sites institucionais. Não foi uma tarefa fácil — não por causa do HTML, que isso dominámos em três tempos — mas porque haviam imensas reticências relativamente ao acesso do exterior a um servidor que estava "dentro" da rede do LNEC, por assim dizer... a burocracia foi imensa... mas, finalmente, ainda em 1993, lá conseguimos lançar o site, do qual naturalmente já não restam imagens; não era uma maravilha porque o HTML de 1993 não tem nada a ver com o de 2024, claro; mas fez-se o que se pôde, e não estava muito pior do que os do MIT ou da Universidade de Cambridge — não envergonhava ninguém — e até era bilingue.

Mesmo muito pouco tempo depois do site ter sido oficialmente lançado — o primeiro site Web português! — fomos contactados por uma pequena equipa no INESC, que estavam precisamente a fazer a mesma coisa, mas que nos tínhamos antecipado ligeiramente; pediram ajuda para resolver um ou outro problema técnico bicudo, lá lhes mostrámos o que tínhamos feito para contornar isso, e poucas horas depois, Portugal tinha duplicado o número de sites na Internet!

A partir daí, como todos sabem, foi a loucura total, e o mundo nunca mais foi o mesmo.